sexta-feira, abril 25, 2008

O que é o "25 de Abril"?


Quando o meu neto (6 anos) chegou ontem a casa, ouvi este diálogo:
- Amanhã não há escola, avô!
- Sabes por quê? - perguntou o avô.

- É por causa de uma flor...
- Um cravo?

- Isso mesmo, avô!

Hoje, voltou ao assunto:
-Mãe, como é que é mesmo o nome das flores que se metem nas pistolas e elas não disparam mais?

segunda-feira, abril 21, 2008

Bactérias, virus e outros parasitas...

Há muito perdido na história da vida, quando o homem começou a domesticar e a criar animais, iniciou, também, um período de grandes mudanças ambientais. Actualmente, essa actividade humana atinge grandes proporções, como tive oportunidade de referir no post “vacas, clima, obesidade e fome - haverá alguma relação?”. Se pensarmos na forma como actualmente obtemos alimento e na forma como a nossa espécie interage com as outras (estou também a lembrar-me dos alimentos trangénicos), percebemos que nos estamos a expor a novos e imprevisíveis riscos de novas doenças provocadas por organismos.

Fazemos e desfazemos, sem nos preocuparmos com os efeitos das nossas acções nos ambientes onde vivem os nossos inimigos que não vemos: bactérias, virus e outros parasitas. Nem sempre percebemos de que modo estes organismos interagem connosco, com as plantas e com os animais que criamos para a nossa alimentação, nem como interagem entre eles. Infelizmente esta falta de conhecimento tem provado ser muitas vezes fatal.

A SIDA é um exemplo óbvio de como uma mudança social e ambiental pode levar à emergência e à propagação de uma nova doença mortal. Neste caso, as convulsões sociais e a migração de populações humanas ao longo de África, as viagens de negócios e de lazer e as mudanças nos comportamentos sexuais de homo e heterossexuais por todo o mundo, modificaram dramaticamente o “ambiente” tornando-o propício para desencadear a epidemia da SIDA. Mas não é só a SIDA. Existem outros exemplos: a febre hemorrágica do Ebola, a gripe H5N1, a febre amarela, o dengue. Aliás, esta última, assustadoramente próxima (ver meu post “Aedes aëgypty e Dengue” sobre este assunto e outros meus posts afins sobre o mosquito Aedes aegypti), é já um enorme problema no Brasil.


A BSE, vulgarmente conhecida por “doença das vacas loucas”, fornece um outro exemplo de como uma aparentemente mudança inócua na cadeia alimentar resultou na transmissão de uma nova doença entre os humanos, uma variante da Creutzfeldt-Jacob (ver meu post “Creutzfeldt-Jacob, BSE, Scrapie”). No decurso da evolução, os ruminantes, como as vacas e as ovelhas, desenvolveram a sua moderna anatomia e fisiologia, comendo plantas, especialmente, ervas e, à medida que evoluíram também os seus parasitas evoluíram, num processo co-evolutivo. Alguns parasitas que têm como alvos primários os animais de pastagem podem também infectar muitas outras espécies de ruminantes e até mesmo os humanos. Mas a maior parte dos parasitas estão restringidos a um simples hospedeiro primário e muito raramente “saltam” para um novo hospedeiro ou até nunca o fazem.

Geralmente, as relações hospedeiro-parasita permanecem bastante estáveis, a não ser que uma grande mudança ambiental aconteça. Ora acontece que as vacas e as ovelhas permaneceram comedoras de plantas ao longo da história da humanidade, até que, não há muito tempo, os agricultores as começaram a alimentar com suplementos dietéticos contendo os desperdícios de outras vacas e ovelhas. E esta é uma mudança dramática na cadeia alimentar destes animais herbívoros pois transformou as vacas e as ovelhas em animais parcialmente carnívoros ou até mesmo em … canibais!

Qual o resultado?

O que acontece é que enquanto estes desperdícios, utilizados como suplementos alimentares forneciam as proteínas adicionais que favoreciam um crescimento mais rápido das vacas, também abriram novas portas através das quais certos agentes infecciosos puderam cruzar a barreira das espécies, “saltando” das ovelhas para as vacas, propagando-se com extraordinária eficiência por entre as manadas de vacas e “saltando” finalmente para os humanos!

Será este apenas um exemplo? Penso que não. Provavelmente, com todas as mudanças que nós introduzimos nos nossos porcessos de “criar” alimentos, novas, insuspeitas e potenciais ameaças à nossa saúde podem estar à espreita do momento adequado para atacar.

Quando aprenderemos a lição?

Hum…

sábado, abril 12, 2008

Creutzfeldt-Jacob, BSE, Scrapie

Um dia destes vi no telejornal a notícia do aparecimento de um caso de doença de Creutzfeldt-Jacob em Espanha. Eu não como carne de vaca. Pelas razões que já referi num post anterior, mas também por esta.

A carne de vaca pode contaminar as pessoas que a comem? Infelizmente ainda ninguém respondeu claramente a esta questão.

Que estranha doença é essa que ataca as “vacas loucas”? De onde vem a epidemia? Como se tramsmite? Pode passar de uma espécie a outra?

A doença foi identificada pela 1ª vez em 1986, no Reino Unido, tendo até hoje matado milhares de bovinos em muitos países, incluindo o nosso.

Em princípio, a doença que ataca as “vacas loucas” pertence ao grupo das encefalopatias espongiformes sub-agudas. Depois de um período de incubação, que pode variar entre um mínimo de 6 meses a 4 ou mais anos, os primeiros sinais da doença começam a aparecer, mas só podem ser confirmados através de um exame microscópico que mostra grandes “buracos” no corpo das células nervosas do cérebro do animal. Ao fim de algum tempo, o número destes “buracos” é tão grande que o cérebro fica com o aspecto de uma esponja - daí o termo médico “espongiforme”. Isto quer dizer que, o gado pode estar clinicamente normal, com testes negativos à BSE (do inglês “Bovine Spongiform Encephalopathy”), mas vários dos seus tecidos podem estar infectados.
Nenhum outro sinal exterior permite “ver” claramente a doença, de modo que o criador de gado, apenas pode notar a mudança de comportamento do animal: mostra-se nervoso, dá violentos coices quando nos aproximamos, mantém-se afastado do resto da manada, esgravata o solo e mexe continuamente com a cauda. Mais tarde, no último estádio da doença, aparecem as alterações locomotoras: marcha hesitante, acompanhada de tremores, assumindo o animal uma posição peculiar, em que os membros posteriores ficam encolhidos sob o corpo e a cauda fica levantada.

Além das encefalopatias animais existem três formas de encefalopatias humanas - a doença de Kuru, a de Creutzfeldt-Jacob e o Síndroma de Gertsmamnn-Strausser. O que é inquietante, é que o agente responsável por todas elas (humanas e animais) é o mesmo - não é um vírus, muito menos uma bactéria, ou seja, é muito difícil de defini-lo; os cientistas chamam -lhe “prião”.

Mas o que é o prião?

Segundo a hipótese mais em voga, o prião é uma pequena partícula infecciosa, de natureza proteica, mas o mais grave, é que esta partícula, não desencadeia nenhuma resposta do sistema imunológico (sistema de defesa contra agentes estranhos ) do animal infectado! E isto por quê? Porque a sua constituição é muito parecida à de uma proteína natural, que existe normalmente nas células nervosas e nos linfócitos (tipo de glóbulos brancos), de modo que o organismo do indivíduo infectado não reconhece entre a proteína “má” e a “boa”! Resultado: o organismo não se defende. Aliás, a proteína “má” não é mais do que a proteína “boa” que ao sofrer uma alteração conformacional se transforma na proteína “má”. Quando esta proteína “má” entra num animal, ou num humano tem a capacidade de transformar as proteínas “boas” em “más”, num processo que se autoreplica. Esta explicação, que é totalmente nova, vai contra o dogma central da Biologia que diz que para haver replicação, tem de haver informação genética, codificada por um ácido nucleico, DNA ou RNA. Mas neste caso ele não existe, só existe proteína! Por isso existe muita controvérsia à volta deste agente infeccioso incomum.

Como foram as vacas infectadas?

A partícula infecciosa, o tal “prião”, resiste às desinfecções químicas que matam a maior parte dos vírus e das bactérias. Pode por exemplo viver mais de 4 meses numa solução de formol de alta concentração (20%), resiste a altíssimas temperaturas em auto-claves, resiste ao bombardeamento com radiações intensas e à luz ultra-violeta potente. Indestrutível!?

São exactamente estas características a causa provável da contaminação das vacas inglesas. Explico. Os criadores de ovinos, para aumentar a ração proteica diária, costumavam a alimentar os carneiros e ovelhas com suplementos de farinhas de carne, preparadas com “resíduos” dos próprios animais, ou seja, com tudo aquilo que não comemos. Percebe-se que estes resíduos, ossos, pedaços de carne, peles e sangue, contêm numerosas bactérias tóxicas que podem envenenar os alimentos, sendo pois imperiosa a sua desinfecção, pelo que os restos eram tratados através de processo químicos, difíceis, perigosos e caros. Para diminuir os custos, os industriais ingleses passaram a fazer essa desinfecção através de um aquecimento que destruía a maior parte dos vírus e bactérias. Mas, não destruía o tal prião. Agora sabe-se disso, mas na altura, ninguém sequer suspeitava da sua existência!

Também era comum nos carneiros, a “scrapie” (numa tradução livre “tremideira dos carneiros”), uma doença neurológica que estava restrita aos carneiros. As farinhas suplementares eram preparadas com “resíduos” de carneiros, restos provenientes quer dos matadouros, quer de animais mortos por acidente ou abatidos por doença. Os restos provenientes dos matadouros, pertenciam a animais controlados, e, portanto, sãos; mas os animais abatidos por doença, podiam muito bem estar infectados com uma encefalopatia, o que era bastante grave.

Quando se passou a alimentar as vacas com estas farinhas animais que podiam estar contaminadas (mas não se sabia), criaram-se as condições para o tal prião “mau” saltar a barreira entre as duas espécies. A partir daqui a doença, chamada BSE, alastrou no mundo e, das vacas, passou para os humanos, aparecendo como uma nova variante da doença de Creutzfeldt-Jacob!

Resumindo: a doença passou dos carneiros, via farinha de carne, para as vacas.

A verdade é que têm surgido casos de encefalopatias em humanos (nomeadamente de doença de Creutzfeldt-Jacob) nas zonas onde também se registaram epidemias de BSE. O contágio faz-se através da ingestão de alimentos que tenham sido contaminados com tecido nervoso ou com instrumentos que tenham estado em contacto com tecido nervoso infectado. Uma vez entrado no cérebro, o agente infeccioso pode ficar dormente durante vários anos (períodos que podem até ser de 10 a 15 anos), ao fim dos quais pode activar-se. Quando isto acontece, começa a destruir as células cerebrais, deixando no lugar delas, grandes áreas de tecido esponjoso. Ao mesmo tempo formam-se grandes placas formadas por aglutinação dos priões anormais. A doença desenvolve-se: começam a aparecer distúrbios psiquiátricos ou problemas a nível dos sentidos. Posteriormente aparecem problemas de coordenação muscular a nível do equilíbrio, da fala, espasmos musculares, problemas de audição, de visão e perda de memória. Finalmente surge o coma e a morte.

Para fazer face a estes problemas, algumas medidas têm sido tomadas:
➢ Os animais atingidos pela doença são obrigatoriamente abatidos e incenerados e as manadas onde tais casos são registados.
➢ A partir de Julho de 1988, foi proibida a associação de proteínas animais às rações para a alimentação de bovinos.
➢ Porque o agente infeccioso se concentra nas células do sistema nervoso, desde meados de 1990, foi proibido o uso de mioleira, medula espinal, timo, baço, amígdalas e tubo digestivo de gado bovino com mais de 6 meses de idade, para a alimentação humana e fabrico de medicamentos e vacinas.
➢ Proibição da importação de animais vivos ou de produtos de bovinos dos países onde existe BSE.
➢ A exportações de carne em carcaça devem sempre ser acompanhadas de um certificado, atestando que o animal é proveniente de uma manada na qual nenhum caso de encefalopatia tenha aparecido, num período anterior de 2 anos.
➢ O gado vivo exportado deve ter menos de 6 meses e deve possuir um certificado atestando que o animal é proveniente de uma vaca sã.
➢ Outras...

Acreditam nestas medidas? No seu cumprimento?

sexta-feira, abril 11, 2008

Pois é. Depois do meu neto fiquei eu doente. Já estou quase recuperada e quase pronta para um novo post. Até lá.

terça-feira, abril 01, 2008

Ter febre, é bom ou mau?

No fim-de-semana que passou, o meu neto apareceu com febre – sinal que estava doente. Acontece com a maior parte das crianças, aparecerem com febre, sem mais nem menos. Pensamos logo: deve ser uma virose, amigdalite, ou até, alguma dessas doenças infantis. Já se percebeu que gosto de “pegar” em factos do quotidiano, para, a partir deles, perceber a razão de tal acontecimento, tendo como pano de fundo, como linha orientadora, o nosso percurso evolutivo sobre este planeta. Ter febre, é bom ou é mau?

Quando a febre aparece e se consulta o médico (ou médica), o mais provável é que receite um antipirético, que pode ser ácido acetilsalicílico (aspirina), paracetamol ou iboprufeno, com a recomendação de manter a febre abaixo dos 38ºC e esperar 3 dias antes de se passar a outras soluções. A verdade é que estas drogas que reduzem a febre podem prolongar a doença conforme dados relativamente recentes. Assim como a humanidade tem sido bombardeada com inúmeras doenças ao longo do tempo em que tem passado aqui na Terra, também tem desenvolvido muitos meios de as combater: a febre constitui um desses mecanismos naturais contra a doença.

Não é só o homem que precisa da febre para combater a doença - um exemplo interessante é dado pelos lagartos que quando estão com uma infecção, procuram uma pedra quente para se aquecerem e assim aumentarem a sua temperatura corporal. Esta subida de temperatura combaterá a infecção. Os lagartos que não conseguirem encontrar uma pedra quente provavelmente morrerão.

Os lagartos têm aquele comportamento (as nossas lagartixas incluídas) porque são animais de sangue frio e não conseguem produzir calor nem regular a sua temperatura corporal. Os mamíferos (como nós) e as aves, conseguem regular a sua temperatura corporal pois são capazes de produzir calor e regular essa produção de calor, consoante a necessidade. Em resposta à infecção, o nosso organismo fica mais quente, fica com febre, o que é importante por duas razões: 1- as nossas enzimas responsáveis pela destruição dos microorganismos que causam essa infecção funcionam melhor a uma temperatura superior a 38ºC; 2- as substâncias tóxicas produzidas pelos microorganismos têm um efeito mais acentuado a temperaturas inferiores a 38ºC. Se a febre for muito alta torna-se perigosa ou mesmo fatal, mas se a febre mantiver a temperatura corporal à volta de 38°C ou 39°C, acaba por ser benéfica para a saúde.


Um outro exemplo interessante, data do início do séc. XX e foi conhecido através das observações do médico Julian Wagner-Jauregg quando verificou que a sífilis era raramente vista nos locais onde a malária era comum. Nessa altura a sífilis matava 99% das pessoas infectadas! Wagner-Jauregg infectou propositadamente algumas pessoas com malária, produzindo febre alta e verificou que 30% dos doentes sobreviveram, o que representou um ganho extraordinário numa doença que matava 99% dos infectados. Parece que a febre proveniente da malária aparentemente curou a sífilis.

Mais recentemente um estudo verificou que as crianças infectadas com varicela e tratadas com acetominofen levaram um dia a mais para se curarem do que as não foram tratadas. Num outro estudo infectaram-se propositadamente pessoas com um tipo de vírus da gripe ministrando posteriormente a metade delas um antipirético e à outra metade um placebo; as pessoas que receberam o antipirético apresentaram um maior congestionamento nasal, uma pior resposta em anticorpos e um período ligeiramente maior de doença.

Ao mesmo tempo que a febre aumenta, diminui a quantidade de ferro no organismo e esta também parece ser uma resposta evolutiva à presença de microorganismos que causam infecções. As bactérias alimentam-se de ferro, proliferando. Quando uma pessoa fica infectada o corpo produz uma substância química mediadora que reduz a quantidade de ferro no sangue. Ao mesmo tempo as pessoas reduzem espontaneamente a ingestão de alimentos ricos em ferro e o corpo reduz a absorção de ferro no intestino. Os humanos aparentemente desenvolveram mecanismos para porem as bactérias a passar fome e assim combaterem a doença rapidamente.
Quando estamos a ingerir suplementos de ferro (e por vezes até nem temos necessidade disso) estamos a interferir
com o processo natural de combater as infecções. Para combater a falta de ferro estamos a aumentar a taxa de infecções.

Será que os médicos sabem disto?

Em suma, os humanos, ao longo da evolução, entraram numa corrida armada com os micróbios, desenvolvendo mecanismos para os combater; os micróbios, por sua vez, também desenvolveram soluções contra as nossas armas e nós desenvolvemos respostas a essas soluções e assim entramos numa corrida armada que dura até aos nossos dias e que persistirirá enquanto houver homens.

A propósito: o meu neto tomou um antipirético. Como o médico mandou!


Consultas:
Kluger, M. J. (1991). The adaptative value of fever. In P.A. MacKowiac (Ed.), Fever: Basic measurement and management (105-124), New York:Raven Press.
Nesse, R. M., & Williams, G. C. (1994). Why we get sick. New York Times Book Random House.
Doran, T.F. et al. (1989). Journal of Pediatrics, 114, 1045-1048.
Graham, N. M., et al. (1990). Journal of Infectious Diseases, 162, 1277-1282.