segunda-feira, novembro 24, 2008

O enigma do som do telemóvel

Para mim o som do telemóvel é um enigma. Cada vez mais sinto a necessidade de localizá-lo ligando de outro telefone, pois não me lembro onde o deixei. E acontece que ele toca, toca, e eu ando feita doida à sua procura, sem conseguir perceber de que lado vem o som.


É exactamente para issso, para descobrir de onde vêm os sons que temos dois ouvidos. O cérebro humano localiza os sons comparando os momentos da sua chegada (fases) e as intensidades das ondas acústicas que partem de uma mesma fonte e que chegam aos dois ouvidos. Estas diferenças de fases e de intensidades resultam da diferente distância entre os dois ouvidos e a fonte sonora.

Quando a fonte sonora está localizada à nossa frente os sons atingem os dois ouvidos ao mesmo tempo e exercem forças iguais nas superfícies receptoras do ouvido que transmitem a informação ao cérebro. Pelo contrário quando a fonte sonora está mais deslocada para a direita, por exemplo, as ondas sonoras atingem o ouvido esquerdo ligeiramente mais tarde que o ouvido direito; são também menos intensas à esquerda do que à direita porque estão um pouco mais dispersas e também porque uma parte foi absorvida ou reflectida pela cabeça.



Para mim é um enigma pois eu tenho duas orelhas e dois ouvidos exactamente porque a evolução favoreceu esta anatomia para podermos perceber onde se encontram as fontes sonoras. Se tivéssemos apenas um ouvido poderíamos reconhecer os sons mas seríamos incapazes de localizar com precisão a sua origem, encontar o bebé que chora ou fugir de um rugido de leão.

Mas há sons que nos confundem, como o som estereofónico, em que os sons têm a mesma intensidade e são emitidos simultaneamente pelos dois auscultadores o que resulta num som fantasma que parece ter origem no interior da nossa cabeça. Quando o volume do som é diminuido de um dos lados e a sua emissão retardada o som conjunto vai deslocar-se para o ouvido oposto.

O cérebro detecta as diferentes fases e intensidades acústicas, combinando a informação resultante para localizar o som, através de um grande número de etapas sucessivas em que as informações de fase e de intensidades são tratadas separadamente por circuitos paralelos que não convergem senão mais tarde, num mecanismo chamado de fusão binaural. Aí, entendemos de onde vem o som.

Então por que tenho dificuldade em localizar o telemóvel que toca? Poderia pensar que seria apenas eu a ter essa dificuldade, mas constato que pessoas minhas conhecidas também a têm.

Continuo confusa!

Imagens:1, 2, 3

segunda-feira, novembro 17, 2008

Heranças

Uma conversa que publiquei no blog dá que pensar, levou-me a escrever este post. Em linguagem acessível, vou tentar explicar como herdamos o tipo de sangue.

Toda a gente possui o seu tipo de sangue. A classsificação mais comum, dos diferentes tipos sanguíneos, baseia-se em duas descobertas de Karl Landsteiner, uma em 1900, (sistema ABO) e outra em 1940 (Factor Rh).

O tipo de sangue é estabelecido antes do nascimento, por genes específicos herdados do pai e da mãe. Em relação ao sistema ABO, os dois genes herdados determinam o tipo de sangue através da produção ou não, de duas proteínas chamadas aglutinogénios A e B, na superfície de cada um dos glóbulos vermelhos.

Existem 3 formas (alelos) do gene que controla o tipo sanguíneo e que, para simplificar, se podem designar por A, B e O. Como nós temos 2 cópias deste gene (uma recebida da mãe e outra do pai), existem 6 possíveis combinações ou genótipos:

AA, AO, BB, BO, AB e OO.

A herança dos alelos é co-dominante, o que significa que, se o alelo está presente, há produção da proteína correspondente. Assim, os genótipos:
  • AA e AO - produzem a proteína A e o sangue é tipo A;
  • BB e BO - produzem a proteína B e o sangue é tipo B;
  • AB - produz as proteínas A e B e o sangue é tipo AB;
  • OO – não produz nenhuma das proteínas e o sangue é tipo O
Além dos aglutinogénios, existem outras proteínas produzidas também a partir da informação dos nossos genes, chamadas aglutininas e que circulam no plasma sanguíneo. Estas aglutininas são proteínas protectoras e são responsáveis por assegurar que apenas existam células sanguíneas do nosso tipo particular de sangue.

Conjugando as duas coisas temos, então, 4 tipos de sangue:

  • tipo A - apenas a proteína A está presente; possui aglutininas anti-B
  • tipo B - apenas a proteína B está presente; possui aglutininas anti-A
  • tipo AB - ambas as proteínas A e B estão presentes; não possui aglutininas
  • tipo O - nenhuma das proteínas está presente; possui aglutininas anti-A e anti-B

A outra classificação mais usada, baseia-se na presença ou não de uma outra proteína chamada de factor Rh (Rh porque foi primeiramente identificada no sangue de macaco Rhesus). Se o factor Rh está presente o sangue é Rh+; se está ausente o sangue é Rh-. A produção ou não deste factor Rh é controlada da mesma forma, pelos alelos que recebemos, um do pai e outro da mãe, de modo que as pessoas com genótipos Rh+Rh+ e Rh+Rh- têm sangue tipo Rh+ e as pessoas com sangue tipo Rh- apenas podem ter o genótipo Rh-Rh-.

Temos então vários tipos de sangue conjugando o sistema ABO e o Factor Rh:

A Rh+, B Rh+, AB Rh+, O Rh+, A Rh-, B Rh-; AB Rh- e O Rh-.

A falta de esclarecimento daquele pai (ver post) levou-o a suspeitar que a filha não era dele.

Já agora, um exercício, partindo do princípio que a filha é mesmo dele (só as análises de DNA podem dar 99,9% de certezas) que genótipos (em relação ao factor Rh) podem ter, ele e a mulher?


Karl Landsteiner naceu em Junho de 1868 em Viena e morreu em Nova York a 26 de Junho de 1943. Foi prémio Nobel da Medicina e Fisiologia em 1930.

quinta-feira, novembro 06, 2008

Aëdes aegypti geneticamente modificados



Tenho andado calada em relação aos mosquitos. Apesar de todos os cuidados que tenho que incluem, usar calças compridas, sapatos fechados, repelente, nas alturas do dia em que os mosquitos picam, ou seja, pela manhãzinha e pela tardinha, lá vem o dia em que se entra num local infestado, mesmo nas horas do meio do dia, e pronto, é-se picado. Aconteceu comigo em Agosto. No mesmo dia fui picada várias vezes. E claro está só dei conta depois.

Andei calada a ver que, como previa, a mosquitada proliferou, e bem. Até que ouvi esta pérola de que não se abriu concurso para controlar a população de mosqitos por causa do tribunal de contas!

Depois vieram as acusações contra todos, autoridades sanitárias, ambiente, câmaras e cidadãos em geral.

E agora, vejo escrita uma página inteira com uma entrevista a um cidadão brasileiro que opina sobre o uso do insecto esterilizado para diminuir a população de Aëdes aegypti aqui na Madeira.

ovos









larva

pupa


É verdade que se usou e se está a usar a Técnica do Insecto Esterilizado (sigla em inglês SIT) aqui na Madeira para controlar a mosquinha da fruta, mas a diferença é que esta técnica resulta na dita mosquinha mas existem sérias reservas quanto à sua eficácia no caso do mosquito Aëdes aegypti.

A base da SIT é criar em laboratório machos esterilizados através de irradiação e lançá-los posteriormente no ambiente para que acasalem com fêmeas silvestres não resultando daí descendência. Se o número de insectos libertado for suficientemente grande (milhões), então a probabilidade das fêmeas encontrarem e acasalarem com um macho estéril é maior que a probabilidade de encontrarem e acassalarem com um macho silvestre que é fértil.

Como disse acima, no caso da mosquinha da fruta esta técnica é eficaz mas no caso do Aëdes aegypti não parece ser porque os mosquitos estéreis não conseguem competir com os machos silvestres no acesso à cópula com as fêmeas – elas conseguem perceber a diferença e não acasalam com os machos estéreis! E além disso o processo de irradiação tem efeitos nocivos nos machos diminuindo o seu vigor.

Existe ainda mais um contra, esta técnica (SIT) não é adequada para populações dependentes da densidade de indivíduos, como é o caso do Aëdes aegypti, porque leva a um aumento da sobrevivência dos estadios juvenis silvestres como resultado de uma redução da densidade da população de larvas. Explico: se houver um menor número de ovos presentes num determinado criadouro, as larvas daí resultantes não precisam de competir tanto umas com as outras pela obtenção do alimento, aumentando a sua sobrevivência e também o número de ovos que podem produzir quando insectos adultos.

É por esta razão que se está agora a estudar a uma “SIT modificada” e que consiste em criar mosquitos machos portadores de um gene que fará com que os seus descendentes morram ao atingirem a fase de pupa. Estes mosquitos machos, transportando este gene letal, são libertados no ambiente. As fêmeas silvestres que acasalarem com estes machos porão ovos como usualmente, as larvas resultantes desenvolver-se-ão também como normalmente, mas quando passarem à fase de pupa, morrerão.

Parece um contra-senso fazer nascer a larva, mas do ponto de vista do controlo do Aëdes aegypti, a morte num estádio mais avançado constitui uma vantagem porque estes animais ocupam os reservatórios de criação como larvas. E isto é importante porque as larvas competem umas com as outras pelo alimento. E sendo assim, a sua presença no criadouro ajuda a manter a população baixa.

Mas se estes mosquitos carregam consigo um gene que os faz morrer no estádio de pupa, como se pode fazer para reproduzi-los em laboratório?

E esta é a parte mais interessante: é que o gene introduzido nestes mosquitos criados por engenharia genética depende daquilo que a larva come. E para a larva não morrer tem de se alimentar com tetraciclina que é um antibiótico: no laboratório, as larvas são alimentadas com tetraciclina e não morrem chegando pois a insectos adultos; no meio ambiente, como não existe o antibiótico morrem no estado de pupa.

A verdade é que, por vezes, se pode encontrar este antibiótico na natureza em pequenas quantidades pois é fabricado por algumas bactérias e também é usado na agricultura de modo que as águas perto das quintas agrícolas por vezes contêm vestígios; mas as fêmeas do Aëdes aegypti não gostam destas águas poluídas para colocarem os ovos e preferem águas limpas.

Existem ainda outros processos de controlo baseados na engenharia genética, muito interessantes, mas que são demasiado técnicos para caberem aqui, nestas simples descrições.

Tenho muita fé nestes processos, mas, enquanto estas técnicas não estão disponíveis, o que fazer? Ver aqui e aqui

Referência:
(Phuc, H. K. et al 2007. “Late-acting dominant lethal genetic systems and mosquito control.” BMC Biology 5: 11.)
Fotografias:1, 2, 3 e 4