quinta-feira, novembro 06, 2008

Aëdes aegypti geneticamente modificados



Tenho andado calada em relação aos mosquitos. Apesar de todos os cuidados que tenho que incluem, usar calças compridas, sapatos fechados, repelente, nas alturas do dia em que os mosquitos picam, ou seja, pela manhãzinha e pela tardinha, lá vem o dia em que se entra num local infestado, mesmo nas horas do meio do dia, e pronto, é-se picado. Aconteceu comigo em Agosto. No mesmo dia fui picada várias vezes. E claro está só dei conta depois.

Andei calada a ver que, como previa, a mosquitada proliferou, e bem. Até que ouvi esta pérola de que não se abriu concurso para controlar a população de mosqitos por causa do tribunal de contas!

Depois vieram as acusações contra todos, autoridades sanitárias, ambiente, câmaras e cidadãos em geral.

E agora, vejo escrita uma página inteira com uma entrevista a um cidadão brasileiro que opina sobre o uso do insecto esterilizado para diminuir a população de Aëdes aegypti aqui na Madeira.

ovos









larva

pupa


É verdade que se usou e se está a usar a Técnica do Insecto Esterilizado (sigla em inglês SIT) aqui na Madeira para controlar a mosquinha da fruta, mas a diferença é que esta técnica resulta na dita mosquinha mas existem sérias reservas quanto à sua eficácia no caso do mosquito Aëdes aegypti.

A base da SIT é criar em laboratório machos esterilizados através de irradiação e lançá-los posteriormente no ambiente para que acasalem com fêmeas silvestres não resultando daí descendência. Se o número de insectos libertado for suficientemente grande (milhões), então a probabilidade das fêmeas encontrarem e acasalarem com um macho estéril é maior que a probabilidade de encontrarem e acassalarem com um macho silvestre que é fértil.

Como disse acima, no caso da mosquinha da fruta esta técnica é eficaz mas no caso do Aëdes aegypti não parece ser porque os mosquitos estéreis não conseguem competir com os machos silvestres no acesso à cópula com as fêmeas – elas conseguem perceber a diferença e não acasalam com os machos estéreis! E além disso o processo de irradiação tem efeitos nocivos nos machos diminuindo o seu vigor.

Existe ainda mais um contra, esta técnica (SIT) não é adequada para populações dependentes da densidade de indivíduos, como é o caso do Aëdes aegypti, porque leva a um aumento da sobrevivência dos estadios juvenis silvestres como resultado de uma redução da densidade da população de larvas. Explico: se houver um menor número de ovos presentes num determinado criadouro, as larvas daí resultantes não precisam de competir tanto umas com as outras pela obtenção do alimento, aumentando a sua sobrevivência e também o número de ovos que podem produzir quando insectos adultos.

É por esta razão que se está agora a estudar a uma “SIT modificada” e que consiste em criar mosquitos machos portadores de um gene que fará com que os seus descendentes morram ao atingirem a fase de pupa. Estes mosquitos machos, transportando este gene letal, são libertados no ambiente. As fêmeas silvestres que acasalarem com estes machos porão ovos como usualmente, as larvas resultantes desenvolver-se-ão também como normalmente, mas quando passarem à fase de pupa, morrerão.

Parece um contra-senso fazer nascer a larva, mas do ponto de vista do controlo do Aëdes aegypti, a morte num estádio mais avançado constitui uma vantagem porque estes animais ocupam os reservatórios de criação como larvas. E isto é importante porque as larvas competem umas com as outras pelo alimento. E sendo assim, a sua presença no criadouro ajuda a manter a população baixa.

Mas se estes mosquitos carregam consigo um gene que os faz morrer no estádio de pupa, como se pode fazer para reproduzi-los em laboratório?

E esta é a parte mais interessante: é que o gene introduzido nestes mosquitos criados por engenharia genética depende daquilo que a larva come. E para a larva não morrer tem de se alimentar com tetraciclina que é um antibiótico: no laboratório, as larvas são alimentadas com tetraciclina e não morrem chegando pois a insectos adultos; no meio ambiente, como não existe o antibiótico morrem no estado de pupa.

A verdade é que, por vezes, se pode encontrar este antibiótico na natureza em pequenas quantidades pois é fabricado por algumas bactérias e também é usado na agricultura de modo que as águas perto das quintas agrícolas por vezes contêm vestígios; mas as fêmeas do Aëdes aegypti não gostam destas águas poluídas para colocarem os ovos e preferem águas limpas.

Existem ainda outros processos de controlo baseados na engenharia genética, muito interessantes, mas que são demasiado técnicos para caberem aqui, nestas simples descrições.

Tenho muita fé nestes processos, mas, enquanto estas técnicas não estão disponíveis, o que fazer? Ver aqui e aqui

Referência:
(Phuc, H. K. et al 2007. “Late-acting dominant lethal genetic systems and mosquito control.” BMC Biology 5: 11.)
Fotografias:1, 2, 3 e 4

4 Comentários:

Blogger Concha disse...

"Aedes aegypti", ou "Stegomyia aegypti" são os nomes cientificos para o mosquito que é popularmente conhecido como mosquito da dengue. Éuma espécie de mosquito da família "Culicidae" proveniente de África, atualmente espalhados por quase todo o mundo, em especial nas regiões tropicais.
Estamos com um problema grave de saúde pública,sem controlo,e com desleixo das entidades competentes.
Que desvalorizaram o problema.
Qualquer ajuda e esclarecimento é sempre de louvar.
Bem-haja!

06/11/2008, 16:35:00

 
Blogger Ana Ramon disse...

Um texto interessantissimo. Acabamos por cair sempre no mesmo que é haver uma possibilidade de reduzir os efectivos de uma determinada população animal que pôe em risco a saúde do ser humano e ao entrarmos nas soluções que passam ppor alterações genéticas ficarmos amedrontados por não termos noção do que isso irá implicar em termos futuros.
Um texto óptimo e a exigir uma grande reflexão.
Um beijinho grande

13/11/2008, 00:10:00

 
Anonymous Anónimo disse...

Eu acho que o problema que vocês aí têm se deve ao mesmo não ter sido atacado logo no início. Normalmente o laxismo impera neste país e concordo com o comentário anterior, o desleixo das entidades que deviam zelar pelo bem-estar das pessoas.
Ainda bem que nos esclarece e ensina alguma coisa.

13/11/2008, 10:47:00

 
Blogger Scherzan disse...

A avaliar pelo seu post, deveria estar na linha da frente do combate a esta praga. É que os responsáveis actuais parece-em não entenderem nada do assunto...e não vejo melhoras evidentes.

18/11/2008, 11:52:00

 

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