quarta-feira, setembro 20, 2006

Escrevi isto um dia ... no Porto Santo

Estou no Porto Santo. Mais precisamente na Baiana, a velha Baiana que conheci há...já lá vão tantos anos, mas o muro das recordações da minha adolescência, com as pernas as baloiçarem, sapatos a baterem na parede, gelado de baunilha a escorrer pelos dedos, e aquele cheiro, aquela sensação de ... ai, não consigo pôr em palavras, o namorado fazia cheiro no coração, na cabeça, na visão de de ondas de existência, de saber que estava ali, não estava aqui, talvez um pouco mais abaixo, quem estava aqui eram os pais, a tomar bica ou talvez laranjada. Ah, a velha laranjada borbulhante que todos os anos o meu pai ainda compra para o dia de Natal!
À minha frente, uma mesa de seis casais (penso!), gente rude, do Norte (?), talvez a entrar na reforma, "o espada é daqui, não vem do Continente, podes comê-lo à vontade, é fresquinho", "o vinho tá quente", "mas se o vinho tá quente manda vir uma pedra de gelo", "mas eu vi na televisão que o vinho tinto se toma pelo menos com o copo quente, então bebe branco que está fresquinho", "manteiga d'alho é isto, mas também lá há", "os pratos de carne aqui são mais baratos que os de peixe"!
Os dedos agarram os talheres, já dentro do prato, lambusam-se nos garfos atulhados de batata frita, ovo e bifinhos de vitela. "A sopa está insonsa, não como mais nada", "mas se está com dores de estômago então tem de o encher", "eu gosto muito de cabeças, eu aproveito-as todas", "o meu marido não come uma coxa, não come um peito, é só as asas e o pescoço", "ela tem uma casa no Funchal, não é, é na Ribeira Brava, ela é muito rica", "não se vê os casais que se vê na Caras".
E as facas ficam espetadas, fincadas na mesa, gesticulando figuras de palavras, surdosas, cúmplices de olhares, línguas limpando os dentes, em trejeitos grotescos, escancarados, arroz preso nos beiços, engordurados, "limpa a boca rapaz".
Vou dar um giro por aí, lembrando odores, é engraçado, as minhas recordações são de cheiros, do cheiro do banco de pedra carcomida em que namorava, do cheiro das sandálias de pano e cartão feitas por mim, do cheiro dos filmes de amor nas noites de Verão, do cheiro das coisas que iam acontecer.
Vou encher-me com o cheiro do mar!

2 Comentários:

Blogger rui disse...

Está interesante. Gostei.

21/09/2006, 13:14:00

 
Anonymous Anónimo disse...

deveras muito muito interessante,principalmente para quem conheceu o Porto Santo d!essa época!!!!!! a Baiana,com as suas cadeiras e mesas multicores, as concentrações para ir ao aeroporto ver a chegada do avião, o pau de sabão com musica de um gira discos a pilhas (pikup) e etç....

os meus parabens, continue a escrever para nos divirtir obrigado



Manuel de Freitas

09/11/2007, 17:56:00

 

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